…(tolo)
a fartar-se de agua parada,
parada no tempo, mágoa.
...a eternidade se nutre na permanência da palavra... (Mateus Marques)
O sentir por alguém
não é mérito meu,
nem é de ninguém.
Que se dane o motivo,
se tem algum crivo,
todo sentir
é função de convém.
_ Nossa, olha que legal, adoro ver gente assim, maquiados e vestidos de palhaço.
_ É mesmo, eu também gosto, seria legal se mais pessoas se vestissem assim.
_ É, mas aí quem seria palhaço?
_ Eu ora!
…e como tens lábios feito imã, magnificados pela poesia doce-ácida-severa que vociferam, liberto meus mais rígidos e carnais métodos literários para dizer o quanto aprecio teus devaneios. Me ponho diante da intrigante vivacidade de tuas ideias como um espectador mais que excitado, não desejando menos que o deleite de sobrevoar com línguas e dentes o relevo orgânico de tua plaga, tentando perceber, nas “entrelinhas dos sonhos” mais aventurados, quantas vozes tivermos entre carnes e pautas em atrito, até que o sublime estado de ser bem-lá-de-dentro se instale, donde não se usam mais os olhos para ler o que pusermos na mais absoluta e desejada cegueira. Por fim, claramente visto: és tão incrivelmente atraente em tuas viagens e em tantos outros dos teus sentidos, que pretendo devorar-te literalmente tudo, como quem se apaixona por um bom livro.
_ Você pinta flores?
_ Eu não gosto de pintar.
_ O que você faz?
_ Eu desenho.
_ Hummm... você desenha flores?
_ Não.
_ Por que?
_ Porque eu gosto mais de desenhar gente comum, mulher nua, máquinas, cartoon...
_ A ta, mas e se eu te encomendar uma pintura de flores?
_ Bem, a um bom preço... sim eu pinto.
_ Você nem mesmo gosta de pintar, mas por dinheiro você pinta?
_ Até flores.
_ Você então está se vendendo.
_ É, é isso mesmo. Estou cobrando pela minha capacidade de representar. Coisa que você não tem.
_ Eu posso ter. Não sou diferente de você.
_ É sim. Se você soubesse fazer não teríamos essa conversa.
_ Se eu soubesse eu nunca iria me prostituir.
_ Nesse mundo, meu anjo, ou você vende e come, ou não vende e é comido.
_ Essa condição não te deprime?
_ Deprime, mas eu prefiro me deprimir de barriga cheia. Você não?
Enquanto os olhos tocavam as curvilíneas formas daquela beldade eu mal podia pensar que, justo naquele instante ímpar de extrema contemplação, haveria um top...
Um tropeço que acabou me atirando a cabeça no poste metálico logo a frente. Imprevistos arquitetônicos. De um lado uma construção divinal da natureza, o supra-sumo bio-dinâmico, do outro a massa fria e sólida do caminho tortuoso.
Na memória uma excitação, um "AI!" envergonhado, um supercílio sangrando e um sorriso...
Tudo isso misturado com o impacto fez do poste a beldade, do sorriso o caminho, da dor o olhar, de mim um trapalhão...
De consciência refeita, segundos depois do impacto, ela estava lá, ainda magnífica e ainda sorrindo.
Bem, ela riu. Já é um começo.