quarta-feira, março 19, 2008

Infanto

Anda tateando o mundo e mordendo os lábios, olhando para os lados de olhos bem abertos. Documenta a vibração das coisas. Madeira, metal, parede, isopor, plástico, palha, pedra, galho, pão, pó, pino, papel... Curioso, aprecia da vida muitos sabores. Olha cara a cara. Malha. Ri. Não se cega. Não sossega. Se entrega.

terça-feira, março 11, 2008

Rubra

Idéias presas em rubros de bandeira,
De tanto vistas, ao solo, desfalecem,
Desbotadas dos textos se esquecem,
Quase sempre perdendo a estribeira.

O vermelho que tingira o pano branco,
Simbolismo do desejo por seu canto,
De Paz sonhada findou-se então em pranto.

domingo, março 09, 2008

Sem Moléstias

Para ele era feito uma sessão de psicanálise, mas não havia moléstia. Não sofria de mal algum, mas se medicava constantemente em prostíbulos onde faziam cegamente suas vontades. O preço paga o serviço. Tinha trinta e poucos anos e um bom emprego. Quando era alguém que desejava ser era ele mesmo. Hora herói, hora bandido, horas a fio. O que esperar de alguém sem moléstias? Amava unicamente a própria vida e não se arrependeu de nada, nunca. Via a morte como o fim fatídico a tudo que se acredita, o mero fim do tiquetaquear regressivo da existência individual. Não tomou nota de seus momentos, guardou consigo, convicto de que morreriam as lembranças antes dele. Quem ouviu suas palavras o ouviu em vida. Nada de livros. Ele nada tinha a declarar, pois jamais algo o incomodou a ponto de se sentir reprimido. Tinha trabalho e era o melhor, tinha família e era a melhor. Tinha quarenta e cinco e praticava esportes aquáticos. Não mais freqüentava os prostíbulos, tinha fé na família. Morreu então em silêncio aos 85 anos, destituído da memória antes do fôlego, por causas obviamente naturais, bem como planejava. Mas afinal, o que esperar de um homem sem moléstias?