quarta-feira, agosto 18, 2010

Arquipélago Negro

Meus olhos ardiam. Ardia salgado o céu da minha boca, ouvi o som de um chucalho gigante, que parecia ir e vir. Eu estava deitado, sob um sol intenso, porém relaxante. Estranho conforto. Ao abrir os olhos percebi minha orelha e metade de minha cabeça enterrados em areia fria, também o resto do meu corpo estava ali incrustado. Senti também um frio nos pés e canelas, fora isso não sentia mais nada. Quando consegui, por alguns instantes, estabelecer o foco, avistei ao longe as mulheres rastejando atordoadas... Apaguei. ... Entrava na cabana de Oxánah, porém Oxánah não estava lá, lá estava Kiah, minha mãe por adoção, com os pés imersos em água salobra. _Quanto tempo Kiah? Quanto tempo ficarei lá? _Só o suficiente meu filho. _O suficiente minha mãe, para quê? _O suficiente para morrer. ... Cheiro de mato fresco, som de chuva caindo levemente, o barulho de prosas avulsas e passos no mato. Meus olhos ainda ardiam, porém me senti acordando na velha tribo após um medonho pesadelo. Quando tentei balbuciar algo minha voz parecia trêmula, tanto que meu pensamento se fez som, mas não se fez palavra. Uma negra se aproximou como um vulto embaçado, disse-me algo que não pude entender naquele momento e novamente apaguei. ... Três trilhas no meio do mato logo à frente, guardadas por três seres velhos. Um deles é meio afeminado... ou será mesmo uma mulher? _Se vós micê não afunda, quem sabe flutua? _Se vós micê não flutua, quem sabe afunda? _Se vós... Acorda Kuana! Acorda! Nós estamos vivos! ... Ao abrir os olhos lá estava Gadé descabelada, me acariciando a face em pranto exagerado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Isso realmente resolveu meu problema, obrigado!

Cler disse...

Quem sabe eu flutuo, então?