quarta-feira, agosto 18, 2010

Arquipélago Negro

Meus olhos ardiam. Ardia salgado o céu da minha boca, ouvi o som de um chucalho gigante, que parecia ir e vir. Eu estava deitado, sob um sol intenso, porém relaxante. Estranho conforto. Ao abrir os olhos percebi minha orelha e metade de minha cabeça enterrados em areia fria, também o resto do meu corpo estava ali incrustado. Senti também um frio nos pés e canelas, fora isso não sentia mais nada. Quando consegui, por alguns instantes, estabelecer o foco, avistei ao longe as mulheres rastejando atordoadas... Apaguei. ... Entrava na cabana de Oxánah, porém Oxánah não estava lá, lá estava Kiah, minha mãe por adoção, com os pés imersos em água salobra. _Quanto tempo Kiah? Quanto tempo ficarei lá? _Só o suficiente meu filho. _O suficiente minha mãe, para quê? _O suficiente para morrer. ... Cheiro de mato fresco, som de chuva caindo levemente, o barulho de prosas avulsas e passos no mato. Meus olhos ainda ardiam, porém me senti acordando na velha tribo após um medonho pesadelo. Quando tentei balbuciar algo minha voz parecia trêmula, tanto que meu pensamento se fez som, mas não se fez palavra. Uma preta se aproximou como um vulto embaçado, disse-me algo que não pude entender naquele momento e novamente apaguei. ... Três trilhas no meio do mato logo à frente, guardadas por três seres velhos. Um deles é meio afeminado... ou será mesmo uma mulher? _Se vós micê não afunda, quem sabe flutua? _Se vós micê não flutua, quem sabe afunda? _Se vós... Acorda Kuana! Acorda! Nós estamos vivos! ... Ao abrir os olhos lá estava Gadé descabelada, me acariciando a face em pranto exagerado.

domingo, junho 27, 2010

Antônio Aguilar

Perturbado me veio Antônio, um alter ego que estava mau humorado, dizendo que pretendia fazer uma viagem, para esquecer da vida.
Eu entendo Antônio. Ele é o responsável pelas partes chatas da rotina e se incomoda profundamente quando as condições de sua existência, como a atitude dos outros, se tornam meio mornas, ou frias, porque nestas horas ele tem muito trabalho, assumir o comando da parte menos divertida.
Antônio, querendo ou não, é um libertino contido pela razão, não a sua própria, mas a que copia das normas formais impostas e bla bla bla bla.
Ele deseja sempre muito tempero nos seus pratos, adora conquistar, o faz com certa freqüência, mas se excita profundamente ao ser conquistado, ao ponto de ferver. Porém, como já disse, ele é contido pela razão, sua e dos outros. A ele isso serve para não cair em maléficos exageros.
Bem, Antônio tem passado apertado pelas mazelas da mesmice, na escassez de calores ele clama por uma ou outra apimentada.
Não definiria isso como uma aventura porque aventuras são momentos diferentes dos momentos corriqueiros. Quer dizer, eu sou assim o tempo todo, desejo o tempo todo. Então queria mesmo é um pouco de calor consistente, duradouro, daqueles que não se esgotam em invernadas. Não uma aventura, queria uma jornada _ Me disse Antônio antes de partir de vez, atrás de qualquer anseio.

sexta-feira, junho 25, 2010

Na estrada

A Jú deitada na curva da interrogação enquanto eu exclamo um dedão suspenso, pedindo carona para um ponto final. Já fazem algumas horas que espero a boa vontade de qualquer afirmação passante. Ali estamos por via das dúvidas. Meu polegar, seu sonho, nossa estrada.



(valeu Jú. este devaneio veio por você)

quinta-feira, junho 24, 2010

_Essa não é a aquela mina?

_Ô meu, é. Ela é linda demais.
_Linda? Quem?
_A Nathália ora!
_Hummm, sei lá. Eu acho ela meio magrela, meio das pernas tortas.
_Oh! Que isso? Esse é o charme dela.
_As pernas tortas?
_Ela não tem as pernas tortas!!
_Não né! Eu entendo o que você está sentindo.
_Eu estou vendo a verdade... ela é chick mesmo.
_Cara ela pode até ser legal, mas chick, chik mesmo, é a Luiza.
_Ana Luiza? A baixinha?
_Ela não é baixinha.
_Não, ela joga basquete na seleção...
_Nem tanto. Ela é lindinha demais, olha só os peitinhos...
_Affe, peitinhos, são enormes cara... são 30% da massa corporal da menina.
_Ô... é disso que estou falando, que peitinhos...
_Tah certo, ela combina com esse seu narigão.
_Ah tah e a Nathália com essas suas orelhonas!
_Eu não tenho as orelhas grandes não...
_Não, elas são enormes...
_Ah cara, que isso? Estavamos falando de mulher... que treta é essa agora?
_Não não... eu estava falando de mulher... você eu não sei...
_Vá se foder!

terça-feira, abril 27, 2010

TV Casa Japa

Um dia tive que fugir do Brasil,
Mandei o Estado a puta que o pariu,
E acabei sendo exilado.

Um mês depois me desovei no Japão.
Quando, sentado, a televisão
E descobri, subitamente, que não entendia nada.

A TV me pareceu diferente,
Apenas luzes se movendo pra frente,
Então pensei: é o paraíso...

Uma leveza me levou da poltrona,
E bem me lembro que naquela semana,
Conheci o monte Fuji.

Tomei saquê com uma nippomaníaca
Conheci uma gueisha austríaca
Um bar man
Um professor
Um padre
Um bom senhor
Uma Jurista
Um ator
E uma senhora educada.

Fui ao museu da tecnologia,
Assisti um espetáculo da coxia,
Estava mesmo aprendendo.

Na biblioteca eu me filosofava,
E no buteco a gente bem se falava
Sobre as idéias de Confúcio.

Passados dois anos naquela novidade,
Não conhecia ainda nem a metade
Daquela cultura intrigante.

Não demorou para eu falar japonês,
Casei com a filha de um chato burguês,
Engravidar filha alheia é uma merda em qualquer lugar.

Cheguei então cansado do trabalho,
Fiz hora extra no meu aniversário,
E minha poltrona é minha amiga.

Então me volto diante da televisão,
Tinha esquecido que estava no Japão,
E quando ligo está passanduuuuuu...

...uuuuuuuuuuuuu Domingão...

...numa outr'aversão...

...uuuuuuuuuuuuuuuu...

terça-feira, março 30, 2010

Aldo e Deisy

_Acorda!... Acorda! Aldo, acorda!
_Ã... que foi meu bem...
_Estou ouvindo uns barulhos estranhos no jardim da frente.
_Deve... aaaaaaaaaa... ser aquele cachorro de novo fussando meu jardim de tulipas... já é a terceira vez.
_E se for um ladrão?
_Será? Um ladrão que rouba flores?
_~Derl~ não tem graça... Já tem um tempo que não ouço nada, ele pode estar na cozinha.
_Não pode ser, justo hoje. Tem certeza que você não estava sonhando?
_Tenho... bem, não sei... vai lá ver meu bem.
_A não... que saco... são três da manhã, deixa o gatuno se dar bem pelo menos dessa vez.
_Nada disso, a prataria está toda a vista, minha vó me deu aquilo tudo. Se você não for eu vou.
_Tá OK! Eu vôooooooooooooooooooaaaaaaa... lá olhar.

...

_E então?
_Você estava sonhando.
_Pois é, quando você desceu eu me lembrei que realmente estava sonhando com cães em um velório barulhento cheio de ladrões.
_Eu sabia, só você mesmo pra sonhar com um velório decorado com tulipas.
_Desculpa meu bem... ei... Onde você vai?
_Vou abrir a janela, perdi o sono e vou ler um pouco pra retomar...
_Por que você não retoma e me toma aqui mesmo na cama hein, eu posso ajudar... ou não...
_Boa idéia, mas vou abrir a janela assim mes... Opá!!! Olha lá! É o cachorro desgraçado fussando minhas tuli... filho de uma égua... ou cadela!
_A não, deixa o cachorro pra lá, tá escuro, são só plantas, você disse que viria para a cama e...
_E você disse que estávamos sendo roubados! Levanta Deisy... eu acho que são vários, anda...

...

_Não tem nenhum cachorro aqui.
_Eles devem ter fugido quando abrimos a porta... Peraí... aquilo correndo não é um...
_Coelho!
_Só me faltava essa, coelhos no meu jardim é demais, eu preferia os ladrões!
_Bem, fazer o quê?
_Pragas!!!
_Feliz Páscoa meu bem, vou voltar para a cama.

...

_Isso... isso... assim... agora... a...

...

_Ah! Meu bem... Wou... ufffa... demais... você poderia perder um jardim por noite.
_Não sei não... eu estava pensando... será que coelhos comem tulipas e cachorros comem coelhos?

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Livre

_Soltei aquele passarinho que meu tio deixou.
_Haha. Ontém?
_É, eram umas oito da noite quando o fiz.
_Era que passarinho mesmo?
_Um canário belga. Tadinho né, passou a vida inteira na gaiola cantando.
_É?
_É, meu tio comprou ele ainda filhote no mercado central.
_Vish, então eu acho que você não fez muito bem.
_Por que? Você acha que eu deveria mantê-lo preso?
_Não. Acho que você deveria tê-lo matado, sem dor é claro.
_Credo, preferi deixá-lo livre.
_Sei, na mata, tocando em bar e ganhando a vida.
_Ah! Ele pode voar né.
_E você viu ele voando?
_Não, soltei ele num arbusto e fui embora.
_Legal, se você não salvou o passarinho ao menos matou a fome de um gato.
_Será... Ah! Eu gosto de gatos.