sexta-feira, outubro 26, 2007

tintim por tintim

há de me tomar e todo meu gim | tintim por tintim em cada brindar | há de me cobrar tudo que prometi | tintim por tintim sem nada faltar | ei de requerer tintim por tintim um pedacinho seu até você me dar.

quinta-feira, outubro 25, 2007

Lúcia e Sorvete

_Mãe, a Lúcia me disse que me ama e me deu o sorvete dela.
_Que bom meu filho, foi na escola?
_Foi, o que é "ama"?
_É quando alguém gosta muito de você.
_Igual eu gosto muito de sorvete?
_Mais ou menos igual, mas mais ainda.
_Mais?
_É. Pega a tesoura pra mamãe.
_Toma. Hum, então a Lúcia gosta mais de mim que de sorvete?
_Sim meu filho, igual a mamãe e o papai. Agente gosta de você mais que de sorvete.
_É, mas sorvete é mais gostoso, não é mãe?
_Para mim você é mais gostoso que sorvete.
_Então pra Lúcia também né mãe?
_Aí eu não sei filho...
_Mas você disse que é mais...
_Deve ser meu filho, pega a caixa de agulhas pra mamãe pega.
_Toma.
_Obrigado.
_Mãe...
_Oi...
_Se a Lúcia me der o sorvete dela então quer dizer que ela gosta muito de mim?
_Pode ser meu filho, se ela gosta muito de você a ponto de te dar algo de que ela goste muito, pode ser que ela ame você.
_E você mãe, gosta muito de sorvete?
_Gosto sim meu filho.
_E de mim mais que de sorvete?
_É claro meu filho.
_Então mãe, me dá um sorvete?
_Não.
_Ah não mãe... só um...
_Não, vê se isso é hora!
_Se eu pedisse pra Lúcia ela me dava...
_Talvez, por quê você não pede a ela?
_Amanhã eu vou pedir e ela vai me dar.
_Então peça.
_Mãe eu gosto mais da Lúcia que de você.
_Quê isso meu filho? A mamãe te ama tanto.
_Mas nunca me dá sorvete.

domingo, outubro 14, 2007

Uma e trinta e um

Tocou o telefone na insônia, Uma e trinta e um.
Era alguém que não se deixa esquecer
Pedindo para não ser esquecido,
Embreagado, me embreagando,
me enciumando à distancia.
Puto publiquei isto, desliguei tudo e fui dormir!

quarta-feira, outubro 10, 2007

Tudo Tinha

Aos amigos sempre dizia querer viver mais mil anos, mas matou-se covardemente e pelas costas. Atirou-se do vigésimo quinto andar com a face virada para a lua. Era quinze de novembro. Um ciclista que passava caiu de sua bicicleta atordoado. Gritos exagerados de angústia, o susto era generalizado. Não soltou nem um último suspiro que tivesse testemunha. Não escreveu carta de despedida. Caiu em silêncio. Seu pai morrera dois anos antes de maneira misteriosa, com batom na boca. Ela estava seminua. A poucos metros de onde caiu havia uma bolsa aberta cheia de badulaques, maquiagens, telefone, cartões de crédito, um massageador portátil, pulseiras, um relógio e um número de telefone anotado em guardanapo que depois de alguns dias disseram ser de uma loja de jardinagem.
Mulher estranha aquela, não tinha namorado, quase não falava, mas fazia sempre questão de usar salto alto e vermelho, tinha belas pernas, cabelos loiros, tinha também duas faculdades, direito e pedagogia, falava alemão, dirigia um conversível, tinha uma casa na praia. Tudo tinha.

Na Língua Sentida

Correu na papelada e procurou as mais belas palavras para expressar o que era ela, como era vista no fundo de sua retina, por traz dela, na cabeça. Bem abaixo, no peito. A princípio pareceu fácil retomar na memória todo passado e retratá-la em palavras, dizer o que era bom ou mal. Mas não se podia dizer nada, a literatura nada continha para suprir sua necessidade de termos, estava além da língua escrita ou falada, num dialeto que não tem voz nem no pensamento, só acontece, livremente de regra gramática. Era ela simplesmente, ou complexo.
Nenhuma palavra então foi dita, ficou o sentido e a saudade. Isso em si já bastava, era ela mesmo definida.
Entregou então um papel em branco e foi embora. Nele estava escrito em língua sentida: “ ”.

Adriano e Ariane

_Adriano! Adriano!... Que merda Adriano!!!
_Que é porra!?
_Abaixa esse volume aí, eu tô tentando ler.
_O quê?
_Abaixa o volume caralho!
_Ah! Vc tah ouvindo?
_Não precisa gritar... Pra quê você comprou esses fones de ouvido? Pra ficar surdo?
_Desculpa mana, nem percebi que tava tão alto.
_Você já está surdo!

...

_Adriano! Para de bater o pé por favor.
_Que pé?
_Esse que tem na ponta da sua perna!
_Ei, peraí, não precisa me bater...
_Por que você não vai escutar música no seu quarto?
_Porque eu tô esperando a lasanha sair do forno!
_Eu tiro ela pra você, vai lá pro seu quarto vai.
_Tá bom! Ta bom!

...

_Adriano! A lasanha!

...

_Tá pronta?
_Eu acho que queimou um pouco.
_Caramba Ariane, você disse que ia olhar pra mim!
_Poxa, eu tô lendo né!
_E porque você não lê no seu quarto?
_A luz é ruim.
_E agora, por isso, eu como lasanha queimada... nem quero saber,vou comer a sua, pode ficar com essa!
_Tira a mão... eu não quero comer lasanha, muito menos queimada!
_A é né, eu conto pra mãe que você deixou ela queimar e agente vê...
_Que isso aqui? Vocês estão brigando?
_A Ariane mãe, não me deixou ficar aqui e nem olhou a lasanha!
_Hummm! Nada disso mãe, ele é que fica ouvindo esse negócio na maior...
_Ih! Não quero nem saber. Vocês resolvam isso antes que eu pegue os dois!
_Mas mãe!
_Nada de “mas”, vou ao mercado alguém quer alguma coisa?
_Eu quero, uma lasanha!
_Nada de lasanha! Ariane?
_Meu shampoo acabou.
_Tá bom, tchau e comportem-se!

...

_Adriano! Você não se toca mesmo né!!!
_Que que foi agora ô vaca!?
_Você é que é uma vaca, precisa mastigar de boca aberta?!?
_Poxa Ariane, você é mesmo chata hein!
_Olha, eu só quero ler este livro, dá um tempinho pra sua irmã vai.
_E o que você está lendo?
_É um livro da faculdade, História da Nutrição.
_Ahmmm... tá... quer um pouquinho?
_Me dá aí!

segunda-feira, outubro 08, 2007

Qüinquagésima Nona Semana

Primeiro dia de campanha, todos empolgados correndo campos abertos entre matas fechadas. A única saudade no peito era dos dias de treinamento, onde podiam a vontade atirar em alvo inanimado. Agora todo alvo era também um peito armado.

Na terceira semana, ainda todos unidos, tanto sucesso e nenhuma baixa aliada traziam o gozo da vitória e brotava na memória os dias de folga e farra do acampamento. Agora só havia o descalçar das botas úmidas e as cartas sujas aos entes queridos, azes e valetes. Gripe.

Oitava semana. Duas baixas aliadas, o cara do rádio e um morteiro, grandes amigos que àquela altura já eram irmãos, agora irmãos de sangue, muito sangue. Correr pelos campos tinha um novo significado, o apertar de gatilhos teve um gosto doce durante muitas investidas até a décima segunda semana.

A décima segunda semana foi o acúmulo de tantas doces vinganças que se fizera bile, amarga como o vômito ácido a tornar ásperos os dentes. Ranger de dentes na madrugada. Dormir não servia de mais nada.

Vigésima primeira semana. Agora sim era a guerra de verdade, nas idéias chiadas que aconteciam no confronto dos fogos variados, tantas baixas de inimigos e aliados agora já nem tinham gosto. A saudade a muito era de casa, de mãe, mulher, filhos e amigos.

No fim da trigésima semana vinte baixas eram contadas. Muitos já não conseguiam mais atirar, mas atiravam, mecanizados pela vontade de sobreviver no subviver daquela batalha. Barba por fazer, noites sem dormir, dias sem comer.

Na primeira noite da quadragésima sexta semana aquela coragem da primeira se tornara tara dos que já não mais a tinham, esses se escondiam por traz dos mais resistentes a mandar bala para o outro lado, até que de repente, ora ou outra, passava voando uma perna, do joelho para baixo. Todos ali eram cientes agentes funerários prestando serviço a si mesmos.

Hoje, na alvorada da qüinquagésima nona semana, surgiu entre raios de sol o som das hélices farfalhando folhas chão afora. Metade da tropa se fora embora e o que poderia ser a retirada é a nova chegada. Um capitão, sargentos e muitos soldados, todos armados, empolgados, um grupo de recém treinados, recém coitados. Alimentos, bebidas, drogas estimulantes e uma vontade louca de enforcar os comandantes tomam o pelotão que a quilômetros vem deixando como rastro mil corpos no chão.

Deixo em meu leito raso fundado no pó da terra, onde muitos se puseram ao pesadelo das noites na guerra, a cruz e medalha que de nada me valeram.

domingo, outubro 07, 2007

Marcos, silêncio

_Marcos, como você conseguiu?
_Consegui o quê Adelaide?
_Ficar assim calado, por esse tempo todo.
_Olha, fácil não foi, mas te digo que quando tenho que escolher entre falar merda e ficar calado, calar sempre é minha opção.
_Quanta merda. E é você mesmo quem julga o que é merda ou não na sua fala?
_É.
_Hum, você podia pensar melhor nisso, afinal você pode não ser tão bom como crítico.
_E quem você acha que seria bom o bastante?
_Não sei, um amigo talvez, daqueles que você aprecia as idéias.
_É, poderia ser. Poderia ser você, não poderia? Sempre que tenho vontade de falar você me escuta.
_Pois é, mas não sei se consigo.
_Apesar de gostar das suas idéias jamais cobrei de você uma crítica. Contudo você nunca passou do eu gosto, ou, essa é para mim, ou, cuidado com o que você diz, faz, sente.
_Não é crítico o bastante para você?
_Acho que não. A muito tenho evitado dizer coisas relevantes a você, até por isso.
_Por acaso eu não sou digna de criticar-te?
_Digna de criticar-me sim, você tem sido, mas de um amigo como você não me bastam as críticas, queria mesmo apoio.
_Apoio para suas falas, não é possível, pois se elas nascem da sua cabeça e fluem na sua boca, depois de saída delas suas idéias não podem ser filtradas e refaladas.
_Tudo que lhe disse até hoje Adelaide não precisava de filtros ou críticas, precisava mesmo é de reações.
_E eu as tive de acordo com minhas inquietações, você não manipula com palavras.
_Isso foi uma crítica.
_Não, para mim foi mais uma reação!
_Perdoe-me Adelaide, mas tenho tido medo da crítica, tanto quanto das reações e já não consigo distiguí-las.
_Então medo é a causa do seu silêncio.
_A muito tem sido uma merda a causa do meu silêncio.