Pouco antes daquele sábado já estava meio perdida.
_ Pior que duvidar de algo sobre si é duvidar de algo sobre o outro. Essa é a matriz do terror, do medo.
O atirador de facas do meu circo não parece ser tão certeiro agora, não como fora, sorridente, nas apresentações anteriores.
_ Não vamos desistir do nosso número, ele é sublime, ergue a platéia com as mãos no rosto extasiada, gera lucros, vende pipoca, amendoim, nos eleva, nos une.
Naquele final de semana o espetáculo parece ter-lhe descolorido. Entrou sério no picadeiro, sem balançar as facas ou fazer malabares. Enquanto isso eu, a assistente dedicada, passava o aperto de percebê-lo com problemas de vista, problemas em me ver.
A quantos anos ponho meu peito girando diante daquelas facas aceleradas? No meu jogo de dardos eu sempre fui o centro, o cem, o mil nunca acertado. Agora me vejo um borrão, lá pelos vinte, pelos dez, pelos oito e... já fui ferida, tocada pela lâmina. Estaria ele praticando, inserindo mais sangue no número?
Não me importa que pequenos cortes me causem algum torpor, me preocupa perder do circo meu amado, meu atirador.
Pior que ser o alvo, agora percebo, é ser o alvo de um atirador estrábico.